Logotipo RENFA - Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas desenhado como uma etiqueta na cor verde com efeito amassado
24/06/2021

Vendo a insegurança se espraiar pelas ruas de Fortaleza

Texto de Jaína Alcântara - Antropóloga Urbana e militante da RENFA-CE

 

Quem vê o título pode pensar em como assaltos e roubos andam a ocorrer pelas bandas abonadas da cidade. Mas, não. Não se trata disto. E sim, de como a insegurança alimentar se apresenta nas calçadas e beirais onde uma população escura, emagrecida e maltratada vem se mostrando para quem não a via há bastante tempo nesse volume pelas ruas.

 

A insegurança alimentar no Brasil voltou a assombrar a vida de muitas famílias e pessoas que não têm de onde tirar o sustento básico, posto o quadro estrutural de inflação, pandemia e desrespeito aos direitos básicos da população.

 

Nesta última quinta-feira presenciei uma cena pitoresca na esquina da av. Heráclito Graça com Dom Manoel. Aqui de dentro do carro, com uma máscara potente contra o vírus que anda a rondar nossos corpos. Com vidros abertos vi uma senhora, parecia ter mais de 40 anos, com sua casa arrumada ao longo de um pedaço da calçada onde fica a malharia Asa Sul. Nessa hora ela lavava pratos, copos e talheres em um balde, mergulhando-os na água e retirando após uma passada da mão em cada peça, sacodindo as gotas que restavam nos utensílios alimentares no ar.

 

Cuidadosamente os colocava para secar em um escorredor de louças, disposto no batente da vitrine fechada, e os cobria da poeira e fuligem de transito das avenidas com um pano de pratos limpo e inteiro. Percorri com o olhar sua arrumação. Vi que o colchão de casal com lençóis remexidos estavam ao lado do que ela delimitou como cozinha. Separado por uma longa caixa de papelão que utilizava como divisória de ambientes. Sobre ela estavam frascos de shampoo, sabonete e escova de dentes. Na cozinha ficava também uma lata entisnada, onde creio cozinhar o que consegue alcançar com o que recebe na situação de rua em que se encontra.

 

Aquela cena, capturada enquanto o sinal de trânsito fechou e abriu, me fez ter a noção do tipo de vida que aquela mulher estava acostumada a ter. Como em casa era tamanha esta organização traduziu-se em sua tentativa de trazê-la consigo.

 

Quando penso no ambiente econômico e político no Brasil de 8 anos atrás que já não estava bom, percebo como piorou muito. O sonho de como voltar ao menos àquele momento anterior parece o possível. Que horror! Em quantas armadilhas ainda cairemos? Com quantas ações engajadas precisaremos atuar para que a marcha à ré não nos faça colidir na miséria implantada por gentis que se apoderaram dos mandos e decisões burocráticas deste Estado? Até onde a migalha assistencial de quem goza em doar vai nutrir apodrecimentos vivos? Até quando?

Deixe o seu comentário

ADMINISTRAR SITE

© 2024