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17/01/2025

papo sério: o DIREITO À MATERNIDADE

A maternidade no Brasil é uma das condições de vida de maior resistência, principalmente se essa mãe for usuária de alguma substância considerada ilícita. Os empecilhos para que ela possa exercer de forma plena e segura a criação, são inúmeros. Pior ainda se esta mãe for negra, indígena, travesti, pobre… Cobrança esta que não existe na mesma intensidade com a paternidade. 

 

Estarmos atentas a estratégias de proteção e buscar redes de apoio são passos essenciais para conseguir driblar este sistema punitivista e garantir o melhor cuidado para suas crianças. 

 

A mesma sociedade que prega que a reprodução é o auge e a finalidade da vida das pessoas que têm útero é a que retira, isola e adoece crianças e cuidadoras. Isso provoca  consequências sociais ainda maiores para ambos, inclusive aprofundando o risco de uso abusivo e de situações de intensa vulnerabilidade psicossocial.

 

PELO DIREITO DE SER MÃE 

 

Uma das violências mais recorrentes com as mães usuárias de substâncias é a retirada do direito à maternidade através da perda da guarda de suas crianças, mesmo sem qualquer tipo de comprovação científica de que o desenvolvimento infantil seja mais afetado pelo uso do que pela própria retirada do vínculo parental. 

 

São verdadeiras armadilhas nas quais, ainda que sua cria não sofra nenhum risco, sua maternidade é questionada e seu direito retirado, provocando sofrimento profundo e continuado .

 

A retirada do vínculo mãe-bebê produz mais danos ao desenvolvimento neurocognitivo da criança do que o uso de qualquer droga durante a gestação. 

O que tem sido observado em pesquisas científicas é que o afastamento do bebê de sua mãe interfere no desenvolvimento cerebral, na fala e no desenvolvimento motor do recém nascido.  A quebra desse vínculo primário é muito danosa e produz um trauma profundo, difícil de cuidar.

 

Segundo a pesquisadora Luana Malheiro, antropóloga e ativista da RENFA, se por um lado temos também a comprovação científica de que a cannabis, em alguns casos, pode afetar o desenvolvimento fetal, ainda assim o prejuízo e a produção de danos é menor do que o afastamento mãe-bebê.

Por conta do sistema proibicionista enfatiza-se mais o dano do uso de cannabis ou qualquer outra droga ilícita ao invés de apontar o dano da retirada deste vínculo primário.

 

 

 

  “Nenhum crack usado durante a gestação causa

  mais danos do que o afastamento do vínculo materno.

  Somos seres mamíferos! Crescemos e nos

  desenvolvemos a partir dos vínculos saudáveis

  que constituímos”*.

   *  Luana Malheiro, antropóloga e ativista da RENFA, autora do livro Tornar-se Mulher Usuária de Crack: Cultura e Política sobre Drogas

 

 

MÃES USUÁRIAS E NEGRAS

 

Para as mães negras e periféricas, os impactos da perda do direito à maternidade são ainda mais severos. 

 

                                        "A partir do relato das parceiras de pesquisa, bem como a partir do acompanhamento de seus

                                        percursos, compreendi como o período da gestação é o momento no qual essa mulher se organiza,

                                        acessa serviços, diminui o uso e passa a planejar a sua vida em uma perspectiva de futuro. 

                                        As mulheres gestantes recebem mais cuidados na rua, sendo a gravidez também um período em

                                        que diminui a violência infringida contra seus corpos” afirma Malheiro.

 

Como disse a socióloga Berenice Bento em seu artigo “Maternidades Periféricas Contra o Estado”, publicado na Revista Cult, à mulher negra não é dado o direito de ser mãe, ela é uma ótima babá, ama de leite, cozinheira, mas uma péssima mãe.

 

Angela Davis (1944) refletiu acerca da exaltação ideológica da maternidade – tão popular no século XIX – que não se estendia às mulheres escravizadas. Como elas eram consideradas propriedade, não atingiam o status de sujeito de humanidade, tampouco chegariam perto da concepção burguesa de maternidade. Aos olhos da sociedade escravagista e aos olhos de seus proprietários, elas não eram realmente mães; eram apenas instrumentos que garantiam a ampliação da força de trabalho escrava. Elas eram “reprodutoras” – animais cujo valor monetário podia ser calculado com precisão a partir de sua capacidade de se multiplicar (Davis, 1944).

 

Aproximações analíticas do contexto que Davis descreve com o universo de mulheres usuárias de drogas - universo em questão que trata o objeto da pesquisa de Malheiro - é crucial para compreender como o racismo atualiza práticas históricas, mostrando como no Brasil e em todo o mundo o racismo se constitui enquanto um projeto histórico que atravessa as trajetórias de vida de inúmeras mulheres, traçando na maioria das vezes o destino dessas mulheres. 

 

A pesquisadora cita que Davis observa em seu trabalho que, uma vez que as escravas eram classificadas como “reprodutoras”, e não como “mães”, suas crianças poderiam ser vendidas e enviadas para longe, como bezerros separados das vacas. Um ano após a interrupção do tráfico de populações africanas, um tribunal da Carolina do Sul decidiu que as escravas não tinham nenhum direito legal sobre suas filhas e filhos. Assim, de acordo com essa medida, as crianças poderiam ser vendidas e separadas das mães em qualquer idade.

 

Para Malheiro, é crucial construir um caminho através do qual seja possível que essa mulher exerça o seu direito fundamental à maternidade, sem que o Estado interfira violando este direito básico.

 

Assim como a farsa da guerra às drogas, esta perseguição não tem como base necessariamente a preocupação com a integridade das crianças, mas sim o controle e punição dos corpos negros que gestam, o que pode ser observado em relação aos pais e tutores que fazem uso de álcool, tabaco e outras drogas, e mesmo sendo violentos não são responsabilizados com a rigorosidade devida. 

 

MATERNIDADE ANTIPROIBICIONISTA 

 

Há muito o que caminhar, pois a proibição gera muita desinformação, medo e encarceramento, impedindo as mães brasileiras de usufruírem plenamente seus diversos direitos. As armadilhas seguem muito bem postas. 

 

Por isso, fazer parte de movimentos antiproibicionistas que as orientem e protejam é essencial para conseguir exercer a maternidade da forma mais livre e segura possível. Lutamos junto com mães que tiveram retirado este direito para que esta grave violação não aconteça com outras companheiras. Neste sentido, a RENFA tem construído agendas com mães que passaram por esta experiência na tentativa de transformar dores em luta  e, dessa forma, garantir que o Estado brasileiro não viole o direito à maternidade.

 

NENHUM DIREITO A MENOS!

 

A RENFA tem atuado em conselhos, junto a maternidades públicas e à defensoria para garantir a execução do Estatuto da criança e do adolescente, bem como para mobilizar os órgãos de justiça para a proteção deste importante direito. O uso de drogas, ou quaisquer situações de vulnerabilidade da mãe, não deve ser justificativa para a retirada de um direito.

 

 

Artigos do ECA sobre o direito à parentalidade: 

 

Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar.

§ 1° Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em serviços e programas oficiais de proteção, apoio e promoção.

 

Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral. 

(Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)

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